/Já vi, Já sei

 

Jorge Forbes

 

         Ele, ou ela,
conta entusiasmado uma descoberta. O interlocutor, antes mesmo que a história
seja concluída, já está dedilhando, em alguma engenhoca eletrônica, referências
a partir do que é dito. O contador vai se angustiando, tentando interessar mais
quem escuta, ou ao menos deveria escutar, que aquela maquininha eletrônica.
Seus esforços são em vão, nada escapa aos dentes afiados dos googles da vida.
Antes mesmos que o infeliz orador – que não está mais angustiado, mas, agora,
decepcionado – termine sua oração, o outro o interrompe com um superior sorriso
de vencedor de uma batalha inglória, dizendo: -“Já vi, Já sei”.

       – “Olha esse Picasso”. -“Sim, já vi, sei
que é um Picasso. Aliás, que mania chata do Picasso fazer quadros tão
semelhantes, que basta a gente bater o olho e já sabemos que é um Picasso. E o
Botero, então, com aquela mania de só fazer gordinhos, tudo muito igual…”.

       A reação é semelhante ao criticar a mania
do Woody Allen gostar de Nova Iorque, de Jorge Amado escrever tanto sobre a
Bahia, de Vinícius poetar o amor. Sem comentários para Bach ou Mozart,
coitados. É tudo já vi, já sei. Para essas pessoas o novo é o nunca visto – daí
a busca frenética por excursões exóticas do outro lado do mundo, por paisagens
nunca vistas – se não der para ir de avião, barco, carro, bicicleta, cavalo ou
a pé – vai de alguma droga mesmo, pois o que vale é a “viagem”.

       Ora, ora, o novo não é o ver o nunca
dantes visto no estranho, mas ver, no sempre visto, o que nunca foi visto antes.
É o que faz uma obra ser clássica. Por mais que você veja a Acrópole, o David
de Michelangelo, ou a Monalisa, sempre, a cada novo encontro, a surpresa se
renova, a ponto de você ser perguntar por que não tinha visto o que agora vê.

       Nossa época, com seus gadgets
eletrônicos, confunde informação com saber. Se não acordarmos da inércia mental
a que ela nos convida, nesse carnaval de links: -“Ei, você aí, me dá um google
aí, me dá um google aí…”, se não acordarmos, vamos ficar muito parecidos com
os cachorros de estimação ao lado dos donos, no café da manhã. Eles abrem a
boca, ávidos pelo próximo naco, que engolem com sofreguidão, pois o que
interessa não é comer, mas a certeza que vai ter sempre o próximo naco, o
próximo link, mesmo que dê indigestão. Nós também podemos ficar assim se perdermos
a capacidade humana de ver o novo, não no exótico, mas no íntimo, no próximo,
no conhecido. E, para isso, é fundamental manter viva a curiosidade que nos
leva a retirar e perceber o singular, o detalhe, a diferença, mesmo frente a um
mar de aparentes igualdades.

       Se perdermos essa capacidade, só nos
faltará, como os nossos fiéis amigos, balançar o rabo.

 

 Artigo publicado na revista IstoÉ Gente, agosto de 2014.