/Comentário de Jacques Miller sobre o Seminário XVIII

Texto de Jacques-Alain Miller, na quarta capa do livro Seminário XVIII – D´un discours qui ne serait pas du semblant.

Tradução de Jorge Forbes e Alain Mouzat

Título: de início, enigmático. Sua chave: esse seminário trata do homem e da mulher, das suas mais concretas relações, amorosas e sexuais, na sua vida de todos os dias, mas também nos seus sonhos e nos seus fantasmas. Isso não tem nada a ver, evidentemente, com aquilo que a biologia estuda com o nome de sexualidade. Por que quando não é a biologia que domina a sexualidade, haveria de ser a poesia, o romance ou a ideologia? Não, aqui vamos tentar dar uma lógica. É astuto.

Na ordem sexual não basta ser, é preciso parecer. Isso vale para os animais. A etologia detalhou a “parada nupcial”, que antecede e condiciona o acasalamento. É, via de regra, o macho quem faz sinal à sua parceira, mostrando suas boas disposições, pela exibição de suas formas, cores, posturas. Esses significantes imaginários constituem o que chamamos de semblantes. Foi também possível destacar isso na espécie humana, e aí encontrar matéria de sátira. Para aí encontrar matéria de ciência, é necessário distinguir os semblantes do real que eles encobrem e manifestam ao mesmo tempo, o real do gozo.

Dificilmente localizado no lado feminino e ao mesmo tempo difuso, insituável, o real em jogo, é, do lado homem, coordenado a um semblante maior, a saber, o falo. Por conseguinte, temos, que:

  1. Contrariamente ao senso comum, o homem é escravo do semblante que ele suporta, enquanto a mulher, mais livre a esse respeito, está mais próxima do real.
  2. Para o homem, encontrar sexualmente a mulher é colocar o semblante à prova do real. Funciona como a hora da verdade. 
  3. Se o falo é próprio para significar o homem como tal , o gozo feminino, por não ser totalmente tomado nesse semblante, faz objeção ao universal.

Então, uma lógica é possível, ou seja , se temos a fibra de escrever assim a função fálica, φ(x), e de formalizar dois modos distintos de uma pessoa se sexualizar, se inscrevendo como argumento. Essa elaboração pede :

  1. ultrapassar os mitos inventados por Freud, o Édipo e o Pai da horda (Totem e Tabu) para entender a sexualidade;
  2. para entender essa lógica, em vez de buscar a resposta nos mitos gregos, vamos mobilizar Aristóteles, Pierce e a teoria da quantificação;
  3. elucidar a verdadeira natureza da escrita, através do chinês e do japonês.

Ao final, saberemos o valor exato do aforismo lacaniano: “não há relação sexual”.