/Sigilo de psicólogos pode cair com novo código – de O Estado de São Paulo, 11 de setembro de 2004

Sigilo pode ser quebrado em caso de ameaças e psicólogo terá de informar violação de direitos às autoridades

SIMONE IWASSO

Está nas mãos do Conselho Federal de Psicologia uma decisão que envolve confiança, silêncio, responsabilidade social e violência. Dois artigos da minuta do novo código de ética do psicólogo, em fase final de elaboração para ser votado em dezembro, provocam polêmica ao redefinir as regras do sigilo profissional. O primeiro deles afirma que a quebra do sigilo “deverá” ocorrer quando há ameaça à integridade física ou psicológica, tanto do paciente quanto de outras pessoas. O segundo propõe ao psicólogo o dever de informar aos órgãos competentes suspeitas de violação dos direitos da criança, do adolescente e do idoso.

Pela norma atual, ao atender vítimas ou agressores, o profissional fica livre para decidir se o conteúdo das sessões pode ser compartilhado com outros órgãos da sociedade. Ao utilizar a palavra “dever” na nova proposta, a polêmica foi instaurada e as interpretações divergiram. Para os defensores do novo texto, não se trata de uma obrigação, mas de orientações para o psicólogo, que continuará seguindo seus critérios técnicos e sua consciência. Se decidir denunciar, terá o embasamento do código. No caso de jovens, as normas reforçariam indicações do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os críticos enxergam amarras que colocam em risco o tratamento terapêutico e a confiança que possibilita o trabalho, seja em consultórios, entidades não-governamentais ou instituições públicas. Eles vêem falta de critérios, em uma profissão que tem com matéria subjetividades, fantasias e neuroses.

Propostas –Aminuta, que ainda poderá ser modificada, foi criada após um ano de debates nos conselhos regionais. No final do ano passado, umfórum nacional reuniu as propostas relevantes e formalizou um texto. “O código de ética não é um conjunto de regras de conduta diretas. Cabe a cada profissional analisar, com sua técnica e vivência, o que é ameaça, violência e qual o grau desses riscos. É sua função diferenciar entre fantasias e fatos”, afirma Ana Bock, que vai assumir a presidência do conselho federal em dezembro. “Se ele fizer denúncias que se comprovarem falsas, responderá por isso no conselho. Já existem casos desse tipo. No entanto, ele também responderá por omissões, explicando suas decisões”, completa. As punições do conselho variam de uma advertência à cassação do registro.

Para Elisa Zaneratto Rosa, do conselho de São Paulo, o psicólogo não pode ser conivente com situações de violência contra mulheres e crianças, es e crianças, por exemplo. Ela alerta, porém, que os pacientes devem ser informados das regras antes do tratamento. A situação é complexa mesmo para quem trabalha com vítimas de violência, explica a psicóloga Maria Aparecida Silva Bento, autora de livros sobre minorias e professora da PUC-SP. “O silêncio é muito importante, mas a gente precisa considerar a possibilidade da denúncia. É uma questão delicada e necessita ser muito discutida e pensada.”

Mas as reações também são fortes. “É lamentável que os proponentes queriam amordaçar as singularidades fantasiosas as pessoas. Elas nunca ouviram Caetano Veloso, que diz que de perto ninguém é normal?”, provoca o psiquiatra e psicanalista Jorge Forbes.

(p. A20)