/Suecar – Uma Nova Forma de Gozo

Trabalho do módulo I: O Inconsciente Hoje – Corpo de Formação em Psicanálise 2009. Autores: Francisco Nunes, Jaci Palma, José Rodrigues, Julianne Chenu, Rebecca Barreto, Rodrigo Gonsalves, Teresa Genesini, Liége Lise (sombra) e Elza Macedo (tutora).

Abaixo, em VEJA TAMBÉM, está disponível o vídeo MATRIX SUECADO – realizado pelos autores – que complementa este trabalho.

Rebobine por favor

O termo suecar surge no filme Be Kind Rewind , de Michel Gondry. Nele o ator Jack Black entra na videolocadora em que seu amigo trabalha e, acidentalmente, desmagnetiza todas as fitas. Pela urgência em repor os filmes danificados, decidem refazê-los, sendo eles mesmos os atores, diretores e produtores. Diziam aos clientes que utilizavam material da Suécia, motivo pelo qual era necessário encomendar o filme desejado e assim ganhavam tempo para rodar o filme numa versão improvisada. Dessa experiência inventam o neologismo suecar. A vizinhança passa a participar das filmagens, chegando a reinventar a história de um músico suposto criador do jazz, que teria vivido na cidade. O lance do Rebobine é que a comunidade fica tomada de uma epidemia, chama para si a responsabilidade de criar o mito sobre sua cidade, uma verdade inventada, protagonizada num filme produzido por eles.

O inconsciente hoje e as novas formas de gozo

Esquecimentos, tropeços, falhas, sonhos, sintomas, são formações do inconsciente. Essas, são formações do significante. No que diz respeito ao inconsciente, Freud reduz tudo que chega ao alcance de sua escuta à função de puros significantes.

O inconsciente freudiano é ligado ao sentido e tido como verdade. A verdade é significante. O significante implica a falta e só existe porque há falta. No primeiro ensino de Lacan o inconsciente era considerado estruturado como uma linguagem, ou seja, simbólico. Em seu último ensino, Lacan considera o inconsciente real, oposto ao inconsciente simbólico e decifrável. O inconsciente real é considerado o lugar do gozo opaco por não se prestar ao sentido ou à interpretação.

No inconsciente real a pessoa se responsabiliza por seu gozo, ao contrário do inconsciente freudiano em que o acento é sobre a regra da associação livre e o sentido. Daí que, na Primeira clínica de Lacan, a pergunta é: O que isto quer dizer? Na Segunda clínica: O que isto quer gozar?

O inconsciente freudiano tem a ver com negatividade, falta, castração. O inconsciente lacaniano tem a ver com positividade, excesso, mais de gozar.

Vivemos uma mudança de paradigma – do universal ao singular, da negatividade à positividade, da falta ao excesso – de forma que a pessoa coloca o excesso na criação de algo novo. Assim surgem as novas formas de gozo: comunidades do Orkut, Otakus e Cosplay; avatares no Second Life; esportes radicais, festas raves, música eletrônica; blogs pessoais; Twitter, nova febre – comunidade que se organiza em torno da pergunta: O que fazer neste instante?; customização e produções pessoais (presentes, CDs, DVDs, podcasts). Agora, suecar.

As tendências mundiais têm em seu cerne a criatividade como resposta ao desejo. O luxo não é mais o que o outro diz que você deve ter, vestir ou ser. Não é mais o dever-luxo. Será necessariamente um luxo customizado e íntimo. Da mesma forma, hoje não basta ter o DVD do filme favorito, ler o roteiro, o making of, saber as falas de cor, ter o CD da trilha sonora – hoje você sueca seu filme favorito: recria o filme, você é co-autor e ator – o filme recriado é publicado no YouTube e exibido para milhares de pessoas. A singularidade e o excesso levados ao extremo – nova forma de gozo.

Para falar da experiência de suecar, nos valemos do quadro de Jorge Forbes Mundo moderno x Mundo Globalizado. Suecar tem a ver com experiência, interatividade, novo laço social, co-autoria e invenção do presente. Envolve um passo além, à medida que também o autor é consumidor de sua própria produção, originando o neologismo prosumer (product/consumer). A comunidade do Rebobine por favor participa das suecagens e já não quer os filmes padrão. São seus produtores e consumidores, assim legitimando sua história e a cidade em que vivem.

O inconsciente real tem a ver com o corpo e não com o sentido. É da ordem do ressoar e do gozo. Os novos sintomas são fenômenos que ultrapassam a captura da singularidade do sujeito pela palavra. O filme Rebobine por favor, em que os vídeos não foram rebobinados e sim refilmados e recriados, nos mostra o que seja emprestar conseqüência e se responsabilizar. A psicanálise nos mostra que a vida também não é rebobinável, mas pode ser reinventada. O mais essencial da experiência humana não tem nome, nem nunca terá, o que explica a característica básica dos homens: a criatividade.

Considerações finais

A suecagem do filme Matrix nos levou a fazer uma analogia com a análise: não se trata de alterar uma história, mas de contar a mesma história em outro tom.

Vimos que:

  • O inconsciente freudiano se manifesta pelas formações do inconsciente. No retorno que Lacan faz a Freud, considera que o inconsciente se manifesta por uma hiância que pulsa, que se abre e se fecha e que seria estruturado como uma linguagem. Está relacionado à falta, ao significante e ao sentido.
  • O inconsciente real tem a ver com o gozo. E o gozo é positivo e diz respeito ao excesso.

Destacamos a atualidade da Segunda clínica de Lacan para lidar com os laços sociais e formas de gozo próprios da contemporaneidade.

Então, como operar sobre o gozo, com o inconsciente hoje, com o sintoma impossível de negativizar?


(1) Trabalho do módulo I: O Inconsciente Hoje – Corpo de Formação em Psicanálise 2009. Autores: Francisco Nunes, Jaci Palma, José Rodrigues, Julianne Chenu, Rebecca Barreto, Rodrigo Gonsalves, Teresa Genesini, Liége Lise (sombra) e Elza Macedo (tutora).

(2) Rebobine, por favor, (título em português) – dirigido por Michel Gondry, 2008, EUA.

(3) Lacan, J. O Seminário – Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, Jorge Zahar Ed., 1985, p. 42.

(4) Miller, J.-A. “Choses de Finesse em Psychanalyse”, Cours de l´Orientation Lacanienne (2008/2009), Paris.

(5) Forbes, J. “Novo Luxo” (entrevista), Valor Econômico, 12 de fevereiro de 2004.

(6) Forbes, J. Quadro: Mundo moderno X Mundo globalizado

(7) Forbes, J. “Emprestando Conseqüência”, Você quer o que deseja?, São Paulo: Best Seller, 2003, p. 195.

(8) Forbes, J. “Pesquisitices”, Revista Welcome, n. 23 (prelo).

(9) Forbes, J. Da palavra ao gesto do analista, p. 97.